29.3.07

Crônica de uma jovem senhora símia

Macaca Velha


Por
Vange Leonel


Hoje sou macaca velha. Aprendi com meus erros, acertei sem querer, errei por descuido, quis muito algumas coisas, desejei menos muitas outras, consegui pequena parte do que imaginei e me descobri melhor do que jamais sonhei um dia ser: uma espécie de macaca velha.Pode até soar arrogante me dizer macaca velha. Podem achar que estou me gabando por me acreditar experiente. Nada disso. O tempo ensina que a gente nunca sabe tanto. A macaca velha, como Sócrates, sabe que nada sabe. Quem acha que sabe tudo é porque não viveu o suficiente para que a vida lhe puxasse o tapete.Por outro lado, mesmo sendo macaca velha, não deixo de me sentir jovem. Hoje quase todo mundo é jovem. O mundo é jovem. Vivemos imersos numa cultura globalizada que, cada vez mais, vende, prega e venera a eterna juventude. A humanidade parece insistir em sua própria imaturidade. Assim, sendo produto e fruto de sucessivas gerações que se tornaram progressivamente mais jovens, provavelmente sempre terei ares juvenis, ainda que meu semblante e minha quilometragem me revelem macaca velha.Nenhuma novidade nisso. Contradições bem assimiladas e em harmonia dissonante são típicas da pós-modernidade (ou da mais nova "modernidade líquida"). A macaca velha pode muito bem ser jovem.Aliás, quero contar a origem desta expressão que estou usando tão abusivamente para me definir ao longo deste texto. Afinal, alguns mais jovens que essa jovem macaca velha podem não saber exatamente o significado da imagem da macaca velha que tem origem num ditado, que por sua vez nasceu de uma fábula indígena. Contavam os índios tupi-guaranis que um dia um macaco muito jovem avistou uma fruta colocada dentro de uma cumbuca de sapucaia e ficou com água na boca, muito a fim dela. Impetuoso e sem pensar (sim, pois alguns macacos pensam) o jovem foi logo enfiando a mão ali. Ele até conseguiu apanhar a fruta, mas, ao agarra-la de maneira afoita, e sem querer soltar a fruta, entalou a mão na cumbuca. Desesperado, o macaquinho disparou a gritar: "A cumbuca pegou minha mão, a cumbuca pegou minha mão!". E ficou ali, se esgoelando, torcendo para que alguém ouvisse seus berros.Por sorte, uma macaca velha estava por perto e correu para ajudá-lo. Com jeitinho, ela pegou uma pedra que estava no chão e quebrou a cumbuca, libertando a mão do macaquinho. O jovem animal ficou aliviado e agradecido. Depois, curioso como sempre, perguntou à macaca: "a senhora, de vez em quando, também prende sua mão na cumbuca?" "Não mais", ela respondeu. "Macaca velha não mete a mão em cumbuca". E foi assim que, após várias décadas de existência e muitas armadilhas pelo caminho, a macaca velha que me tornei aprendeu a não meter a mão em cumbuca. Pelo menos, não em qualquer uma.

28/03/2007

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